25.11.09

a minha paragem é aqui

Há alturas em que temos de saber parar. Por muito que nos custe, por muito que se construa algo que se queira continuar. Confesso que já senti noutros projectos alguns amargos de boca por não ter tido a coragem de parar. Mas outras ideias se avizinham e constroiem mais sólidas. E assim, esta é a minha despedida. Um pouco mais de um ano depois do seu início, gostaria de relembrar um dos primeiros posts que publiquei, não por ser dos melhores ou dos mais bonitos ou dos mais qualquer coisa, mas porque simboliza o que mais me interessou comunicar.

A PRESENÇA DO OUTONO

Se quiserem seguir os meus outros projectos de poesia e música vejam:



XS Records [portuguese netlabel]: http://xsrecordsptnetlabel.blogspot.com

Finalmente, gostava de agradecer a todos os que acompanharam as minhas publicações no blog e em especial aos meus colegas publicadores, Ana, Francisco, João, Marta, Paulo e Ricardo.

3.11.09

da globalização

nada mau para um NÃO anglo saxónico como eu

Poetry for the Lost Souls #4 | Outsider Writers Collective
http://www.outsiderwriters.org/
Starring Audrey Collen Burns, A. Jarrell Hayes, Sarah Ahmad, Karl Koweski, James Dye, Maria Gornell, William S. Tribell, Donald C. Mulder and Leonardo Rosado!

29.10.09

das coincidências

a despeito de todos os avanços tecnológicos, e de toda a conceptualização e trabalho em torno do chamado método ciêntífico o que é certo é que a aleatoriedade sempre desempenhou um papel central nos avanços. vem este desabafo a propósito deste link na wikipedia sobre cartões de crédito e como apareceram.

no entanto desta vez fico sem perceber se mais valia não se ter dado o aleatório acontecimento...

excerpto de "Magnetic Stripe Card" no site wikipedia

"The magnetic stripe

The process of attaching a magnetic stripe to a plastic card was invented by IBM under a contract with the US government for a security system. Forrest Parry, an IBM Engineer, had the idea of securing a piece of magnetic tape, the predominant storage medium at the time, to a plastic card base. He became frustrated because every adhesive he tried produced unacceptable results. The tape strip either warped or its characteristics were affected by the adhesive, rendering the tape strip unusable. After a frustrating day in the laboratory, trying to get the right adhesive, he came home with several pieces of magnetic tape and several plastic cards. As he walked in the door at home, his wife was ironing and watching TV. She immediately saw the frustration on his face and asked what was wrong. He explained the source of his frustration: inability to get the tape to "stick" to the plastic in a way that would work. She said, "Here, let me try the iron." She did and the problem was solved. The heat of the iron was just high enough to bond the tape to the card."

23.10.09

do anoitecer ao amanhecer rosa

ainda sobre as palavras

as palavras perduram tanto como flocos de neve no verão

13.10.09

das palavras

desejo que a poeira da atmosfera
se transforme em palavras na minha boca

12.10.09

prece em prelúdio II










esse tempo passou

como água por baixo de pontes

suando a humidade nas paredes

assim vou

arfando

hoje chegado o tempo

o meu corpo todo nu varre a noite

arfando

respirando o nevoeiro

suando a maravilha

cego descalço na lama

tropeçando

na água

em vergonha arfando

por aqui já andámos

buscando os passos

o norte meu

mãos tuas

nascente de água benta

levando do meu corpo de satã

a lama

frescura ditosa trazendo nas tuas mãos a fonte

a humidade

a noite secando em calma

comigo arfando em asma

peito escancarado à sorte

a lama

prece em prelúdio I










não pertence a mais ninguém

a ira pela vida

levo tudo comigo

estrelas nos olhos

saudades em terra

falsidades

peito escancarado à sorte

triste sina

que ventura

para tanto voltar atrás

jamais esperei tamanha fortuna

as horas de baixo a cima

subindo sempre descendo

não pertence a mais ninguém a ira pela vida

poderás saber quem sou

se ao leres a palma da minha mão

a tua alma

soltar uma risada uma gargalhada

um bocejo empalidecer e morrer

nada terá a dizer ao saber quem sou

a alma

28.9.09

uma visão umbilical


ou como ver através de uma barriga pode ser tão agradável

22.9.09

da mordedura

atenção atenção
a realidade morde os nossos calcanhares
e quer sejamos muitos ou poucos

há sempre uma sombra
mais duradoura mais opaca que nos tolhe a expressão

atenção atenção
estamos a ficar demasiado lúcidos
e nem sequer estou a falar de sonhos lúcidos

mas da realidade palpável
da ausência do toque
da omnipresença do sem sabor
da mesclada atmosfera em perfume engarrafado

atenção atenção
esperemos que volte essa ânsia de pausar
e desfrutar o que nos rodeia com o devido respeito

8.9.09

do perigo iminente


É talvez um cliché tão gasto este de dizer que Blade Runner é um marco na história do cinema pessoal de muito de nós, e esta uma das mais emocionantes e poéticas facetas.

Não apenas por ser de facto um filme impressionante, e esta cena uma ilustração magnífica, o que hoje me traz aqui é uma referência à minha voz, à minha música (Filled With Light EP) revista na Music Musings and Miscellany e às palavras que não são minhas, me deixam lisonjeado e orgulhoso por me compararem a tão ilustre imaginário, monstro sagrado.

Excerpto de crítica ao EP filled with light de Subterminal no Music Musings and Miscellany.

4.9.09

da expectativa

estou oficialmente em modo ansiedade. um dos estados essenciais da minha vida.

26.8.09

nem sempre o conhecimento serve

A luz ao fim do túnel é afinal uma parede líquida. Perfeitamente natural aos olhos da ciência. Mas que sabes não servir
os teus desejos insaciáveis.

17.8.09

lê-se na trompa

Apresento-vos o meu novo trabalho de palavras e sons. Uso as palavras de Rui Dinis do Blog A Trompa.

De olhos bem abertos.

Como num redespertar. Um estranho acordar que se vai repetindo a cada noite; a cada dia que passa, ou se pensa que passa. Como uma experiência virtual qualquer; ou talvez não. Talvez seja apenas um normal mas assustador despertar. … “Filled With Light”.

“Filled With Light” desperta-nos em dois sentidos diferentes. Um primeiro, por ser apenas um EP que é parte de um álbum ainda a editar; e um segundo, porque nesse álbum, a poesia, elemento central e sempre presente no trabalho de Subterminal, faz a apologia da vida digital. “Filled With Light” é como que o trailer de um filme completo que veremos mais adiante; um resumo já com princípio, meio e fim. Mas para já, importante é o despertar e “Filled With Light” desperta; desperta-nos.


Para mais informações vejam o site da XS Records no qual colaboro.

6.8.09

almost but not yet


http://www.dailymotion.com/video/x1gi80_tricky-makes-me-wanna-die_music

Look to the sun
See me in psychic pollution

Excerto do poema de Tricky Makes me wanna die. Album Pre-Millenium Tension.

5.8.09

do amor apenas

sem medo, amava, apenas.
dizia serem homens a sua especialidade
corria audaz na direcção do abismo, parava quando os seixos deslizavam já sob os seus pés
ria um riso de criança alto e obsceno na miragem da minha palidez.
impotente, antecipava a dor inevitável na carícia de beijos infinitos.
envolto na sua beleza, pouco mais do que ficar

perder-te-ei nesse profundo infinito
o teu corpo num bailado despido
acariciado pelos anjos que caem contigo
tu amparada nos braços de um eu outro
eu no desamparo do vazio d’alma

4.8.09

nos cantos do bairro

Fugíamos à realidade pobre embelezando-a na alienação da normalidade. Fugíamos também às vezes da polícia. Personagens fantasma, pacientemente à espera que a terra cobrisse as suas campas, circundavam-nos com estórias do nunca. De órbitas perdidas fugíamos pelos sopros dos cantos do bairro, no silvo das folhas que se fechavam. Fugia eu do desencanto tentando encontrar a compensação esventrada. A brutalidade persistente entranhava-se mais e mais numa alquimia de coração para pedra. Vêem os olhos aquilo que querem no embalo do tempo. Cegueira atroz pensada incurável tão somente solúvel no domínio da pálpebra. São serenas as memórias, agora que as apago na escuridão da luz dos teus olhos.

3.8.09

Lx 4 a.m.

*

É noite fechada em espaço
Triliões de partículas chocam derivados de álcool
Possuídos frenéticos
Roçam corpos insanidade
Procura ela de olhos fechados conquista um beijo
A alma colectiva partilha amanhã nunca.


*

Sinto poder indomável.
Sou cavaleira erótica carrasca
Conduzindo o seu rebanho
Domino. Atrevo.


Emerge serpente de um bolso imaginário
Atinge-o pescoço feitiço
abraço preso extasia
roçam lábios. Dobram no tempo
mãos que não chegam a tocar.




*

Inflijo castigo agora na saída
Vejo-o cambalear envenenado
Apenas mais um junta-se.


Implacável antes da madrugada que rasga
vampiro sentimental
clones de culpa são
todos os que ainda serão beijados.


* Imagens retiradas do videoclip "Elephant Gun" dos Beirut (http://www.beirutband.com). Realização: Alma Ha'rel. Coreografia: JoAnn Jansen.

19.7.09

como seara

E agora aqui vejo-te, como seara ainda jovem que galga os campos como ondas incontroláveis de um mar tempestuoso. E as tuas mãos como a centopeia que fazem cócegas no éter e transportam as tuas sementes espalhando a fúria da decisão.

E os teus abismos aos magotes saltando nos poços fundos que trago no peito escancarado à brisa da madrugada húmida do orvalhar das nossas lágrimas de riso da noite da festa de que partimos a meio sem avisar e naquela eternidade que foi como um fogacho nas nossas vidas ficámos a sós. Com os nossos abismos.

(como seara aumentada por Paulo Bernardino Ribeiro)

de esperança

É de esperança que te cubro como as amolgadelas dos teus beijos. Os nossos lábios tocam-se como parachoques encostam languidamente em slow motion num choque frontal. Somos os dois, automóvel parabrisas estilhaçado volante em contramão.

Os nossos mecanismos de fuga são sempre para a frente é tão óbvio e indiscutível para ambos a impossibilidade do mecanismo de inversão de marcha nas nossas vidas e por isso chocamos frontalmente quando em direcções opostas nos vemos e num segundo do olhar imobilizamos os olhos soltando pestanas expandimos os lábios roçamos os dedos contrariamos as mãos. Já em contra-mão. (Paulo Bernardino Ribeiro)

Oh, mas não julgues que te falo de fuga. Falo-te de fusão. Embora tenhamos sido metal azul. Agora somos um bloco, onde a chama continua a arder vermelha. Agora respeitamos os semáforos e estendemos passadeiras para que à nossa frente se atravessem os transeuntes.

Disse e repito para que oiças com todos os teus ouvidos podes também ler nos lábios as palavras ou nos olhos os sentidos das palavras. Jamais voltar atrás jamais inverter ser como o andorinhão-negro em frente em velocidade sempre sem parar dormimos em voo para não ter de acordar imóveis. Sabes, a fusão também é uma forma de fuga. Foges de ti. (Paulo Bernardino Ribeiro)

Duplos sentidos, choques e colisões, fuga, fuga, fuga. Discordo. Se me falares do calor que se escapa acredito em ti. Mas não me digas que fujo de mim. A não ser que queiras dizer que essa fuga é apenas mais uma forma de me encontrar. O encontro é o meu propósito e para isso serve o duplo sentido, o choque e a colisão, fuga, fuga, fuga.

Se me falares eu escuto e falo-te do calor para que em mim creias sabendo eu de antemão que essa estória do partir para me encontrar foi chão que já deu uvas que deram passas e passas agora à minha porta tu que partiste e não te encontraste. Colidimos e não me encontraste. (Paulo Bernardino Ribeiro)

Será sempre assim.

18.7.09

da vida noutro lugar

































































aqui reencontro os elementos primordiais
sendo que a água e o ar me preenchem por inteiro

11.7.09

Poesia pós trauma

Fogo de São Telmo
Assassinatos à beira rio
Formações salinas cristais na pele dos vivos
Outras curiosidades, sangue negro encarnado à pele dos mortos
Pétalas pelo ar
Concatenação de pétalas

9.7.09

intermezzo

BREVE DRAMA EM TRÊS ACTOS

I

Viajo clandestinamente nos porões infectos
das palavras - fantasmas, vindas do interior do Tempo,
que arribam, nervos adentro, ao limiar do Ser,
para tentarem o assédio ao Espírito
( e às quais este se recusa a dar jazida
na doca da memória ).

II.

E, assim, na condição de errantes - eu e elas -
viajamos pelo Cosmos, com a data do óbito tatuada na face,
estimulando as nebulosas a segregarem os poemas
de que a Eternidade carece para a sua própria existência
e a Alma não dispensa para o equilíbrio instável
da sua arquitectura.


III

Caído em decúbito, o silêncio explica tudo;
e a Música sobrevive, no íntimo do cérebro,
à ruptura dos tímpanos da Alma
irreversivelmente feridos pelos timbales triunfais da Morte.
E, quando o pano cai, fico do lado de cá,
Excluído, humilhado e a mascar com raiva este abandono.

anátema

Em cada verso há um pássaro esganado
e um voo interrompido
- asas inertes cujas rémiges perderam o sentido
mas que o poeta arranca e usurpa para sentir-se alado.

Feito o poema, que dedico
ao teu corpo de mulher - substância do meu sonho -,
sou compelido a cumprir o meu destino de ave: Nidifico
no labirinto do teu sexo misterioso e aí deponho
a Via Láctea do meu sémen povoado de astros e asteróides.


Não haverá maldição, que sobre ti não caia,
se um dia renunciares a tudo o que eu te der e de mim saia,
incluindo versos e espermatozóides.

29.6.09

tecno Logos

CONFESSO QUE
SOU TECNOEXISTENCIALISTA

na difusa medida
em que não preciso de ser especialista
para me conhecer na plenitude de todos os sentidos

CONFESSO QUE
SOU TECNOEXISTENCIALISTA

na exacta medida
em que o algoritmo me substitui
na exactidão mecânica
deixando para mim as tarefas criativas e oníricas

27.6.09

A tua beleza submerge-me, submerge o mais fundo de mim. E quando a tua beleza me queima, dissolvo-me como nunca, perante um homem, me dissolvera. De entre os homens eu era diferente, era eu própria, mas em ti vejo a parte de mim que és tu. Sinto-te em mim.
De Anais Nin

25.6.09

da rigidez

Inspiro subjectividade
E respiro objectivamente

Abraço o inexplicável
Que me engole para sempre

Este é o ritmo sincopado
Rígido ao invólucro
Que quebra em estilhaços

A melodia ficou para trás
Resta a inquietude

Ao espelho subtraiu-se o estanho
E na transparência a exactidão crua

Esquecido o voo
Rastejo no vácuo asséptico

19.6.09

suspenso

18.6.09

dissimulámos



dissimulei voluntário a fantasia de te ter exclusiva
tanto de ti como de mim esconjurando-te por vezes
pela ausência como se de um espectro te tratasses
fiz parecer diferente para ti a realidade da fantasia

dissimulaste voluntária a realidade de me ter exclusivo
tanto de mim como de ti esconjurando-me por vezes
pela ausência como se de um espectro me tratasse
fizeste parecer diferente para mim a fantasia da realidade

conjecturámos

conjecturei sobre a minha posição na tua vida
elevando-me quando necessário e assim declinando-te
para depois te elevar mais verdadeira e única
ainda que falsas as premissas as tuas e as minhas

conjecturaste sobre a tua posição na minha vida
elevando-te quando necessário e assim declinando-me
para depois me elevares mais verdadeiro e único
ainda que falsas as premissas as minhas e as tuas
:

17.6.09

da indiferença

Sem sobressalto
A maquinaria oleada da monotonia
Espezinha furiosamente os sussurros
Ervas daninhas arrancadas
Uma a uma
Pela raiz

16.6.09

valter hugo mãe da palavra ao som

porque é uma bela ocasião e porque gosto do que escreve aqui fica a novidade. ah, e aproveitem para passar pelo blog casadeosso.

valter hugo mãe estreia como vocalista do projecto governo (antónio rafael, miguel pedro – ambos também dos mão morta –, henrique fernandes – também dos mécanosphère). o primeiro tema a ser ouvido chama-se «meio bicho e fogo», está incluído na colectânea «novos talentos fnac 2009», agora à venda, e o seu vídeo oficial é uma animação de esgar acelerado (com desenhos de esgar acelerado e sara macedo).

GOVERNO - Meio Bicho e Fogo from 8 e Meio on Vimeo.

5.6.09

a palavra por leonard cohen

... I love to see you naked over there
especially from the back...

excerpto do Poema "Take this longing"  do álbum "New Skin for the Old Ceremony".

27.5.09

como se fossemos árvore

para r. vezes dois
Como se fosse seiva deslizando na atmosfera. 
Como se fosse primavera em flor.

Como se te tocasse rígido embalado pelo vento.
Como se os teus dedos esverdeados estremecessem.

Como se no ventre carregasses o fruto.
Que carregas uma e outra vez.

Como se fossemos árvore flor e fruto.
Uma e outra vez.

24.5.09

23.5.09

da janela




















.

a janela tem grades de ferro
e as tuas mãos presas a elas
de dentro a fora
e as minhas mãos presas
desde o pescoço às omoplatas
apertando as ancas

observo a rua
escuto as onomatopeias que libertas
e depois suspiro

18.5.09

da porta da rua

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

paredes meias com a sociedade
vivemos
ouvimos o cão e a família em cima
o gato e a sua dona ao lado
em baixo os amantes de tempos a tempos

contra a porta da rua
amo-te devagar
a tranca é metálica
e estremece ruidosa
ao mesmo ritmo que tu

13.5.09

do chão da sala


é de tacos de madeira
o chão da sala
e ferem os meus joelhos de osso a nu
arrefecem as tuas costas em fervura ardendo

as almofadas emudecem
o matraquear na madeira
mas não o nosso matraquear
e aquecemos a chão da sala ofegante
quando fixamos os tacos de madeira no tecto

ainda sinto os teus lábios

12.5.09

11.5.09

10.5.09

na calçada do cardeal

há uma cidade maravilhosa ao fim da tarde
agora que os dias crescem de luz e nevoeiro
Lisboa
e há em Lisboa uma rua uma calçada
como quem desce da graça em direcção a santa apolónia
a calçada do cardeal
e há nessa calçada uma pequena tasca
deserta a horas mortas que são as minhas horas
e tu que nunca mais chegas
e as minhas horas mortas
e o meu peito cheio de vida esperando a tua vida

não desci a santa apolónia
para te ver sair de um comboio
pois chegaste ate mim mas não foi por terra

não desci ao Tejo
para te ver sair de um navio
pois chegaste ate mim mas não foi por mar

chegaste é tudo

chegaste no primeiro dia de um mês novo
de um ano novo de uma vida nova
que seria sempre um dia novo de um mês novo
de um ano novo por me trazer vida nova
chegaste como quem sempre esteve

e reconheço a pequena tasca da calçada do cardeal
em frente a tua casa
como um espaço mágico de um tempo mágico
em que estás sem ter chegado
em que chegas sem te ausentares

há uma doença benigna na minha memória sempre que estás
(e estás mesmo antes de chegar)

e cada minuto de abraçar o teu ar
cada minuto de respirar o teu braço
e cada minuto de pressentir o teu corpo
cada minuto de possuir o teu espírito

esqueço dias de meses anteriores
de anos anteriores de vidas anteriores
das minhas e das tuas
horas vidas recantos lugares memórias

esqueço a vida os tempos e os espaços

cada minuto da tua presença
faz-me esquecer um dia da tua ausência

em breve não saberei quem sou
só tu existes

nessa calçada
nessa cidade
neste homem


'atocha' pintura de António Lopez-Garcia
esta é uma outra cidade.
mas as cidades são todas iguais.

4.5.09

das realidades de papel

Porque sempre que há uma oportunidade de extravasar conteúdos digitais, desta vez apresento-vos um desafio para que passem da realidade outra a uma realidade de papel. Deixo uma sugestão e um desafio do Portal de Lisboa.

Depois do sucesso que foi a Primeira Colectânea de Poesia Contemporânea do Portal Lisboa e da Chiado Editora (www.chiadoeditora.com), com o nome “Entre o Sono e o Sonho”, o Portal de Lisboa está agora a arrancar com o II Volume da mesma colectânea. Neste momento, procuram novos autores para entrarem neste livro. Quem quiser pode visitar o regulamento (Link Regulamento) desta colectânea no site do Portal de Lisboa. As inscrições podem ser feitas aqui (Link Inscrição).

Os autores que quiserem participar podem submeter até vinte dos seus melhores poemas, sem tema obrigatório. É absolutamente necessário que possuam qualidade, pelo que o Portal de Lisboa reserva-se o direito de não seleccionar algum autor que no seu entender não tenha essa qualidade. Esta obra será editada pela Chiado Editora, uma editora de referência que oferece garantias de um trabalho feito com profissionalismo. O prazo para inscrição termina a 1 de Julho de 2009.

1.5.09

poema introdutório

O Diabo toca flauta num campo de lírios
e o pacto nervos-alma é denunciado nesse instante..
Todas as coisas, especialmente as flores, têm o ar de quem chega
e ninguém as espera.

Por isso, há óvulos dependurados em todas as árvores
desesperando que os frustrem ou fecundem,
enquanto as mãos dos poetas se entregam como fêmeas
ao insaciável desejo de alma dos objectos inertes.

- Mas, afinal, sentir as coisas é adiar a sua posse,
não é, senhor Diabo, encantador de serpentes?

Adeus, roçar lascivo do devir,
que exacerbas até ao transe
a fome secular com que roemos as coisas!

Adeus, aves felizes, que saturastes de voos inúteis todo o espaço possível!

Adeus, adeus, barcos sexuados e expectantes,
que tendes as proas varadas na memória das viagens
através da solidão que separa as estrelas entre si!

( Oh, este nosso morrer de morte a bordo! )

- Deixai-me simplesmente que dissipe esta lírica e herdada
sensação de baía do ponto de vista do mar.

O que se ama, isso ( di-lo a música ) é o nosso próprio limite.

26.4.09

das rugas o cimento


assim como a nossa vida se pode descrever pelas linhas nas nossas mãos, também esta estória se pode descrever pelas rugas no cimento.
a intervenção geométrica, subjugada pelo uso, pela chuva, o impacto dos objectos. muitos pés apressados a correr em forma de brincadeira, muitos brinquedos de madeira,  e pedras a rolar.

do imaginário



'boneca e gato com cadeira vazia, paúl de santo antão cabo verde'

há alguem desse lado que queira contar esta estória?

25.4.09

da digital idade


Somos arquitectos puros
Não temos de nos preocupar em explicar o que une a recta mais que o conjunto dos seus pontos

Somos visionários
Não temos medo da alma nem do segredo nem do desconhecido
Somos fantasmas dentro da máquina
Nós somos verdadeiramente o fantasma
Os sussurros são nossos fragmentos interjeições perguntas e respostas
A causa e a consequência da memória

24.4.09

movimento perpétuo

Pensamos a partir do postulado
De que tudo no mundo é relativo,
Quando é certo que em tudo o que medimos
é a nossa própria dimensão que achamos.

Em cada óbito o cosmos morre inteiro
E inteiro vai ressuscitar no óvulo
Que, fecundado, vinga.

22.4.09

da inexistência física

chegará um tempo em que o nosso lar não será mais doce lar. porque não interessará mais onde estamos mas sim quando estamos.

21.4.09

correr bastante sorrir





viver bastante até ser gato
sonhar imóvel num muro de cal
correr sob os telhados das casas das vizinhas

resgatar bastante as estrelas à noite
partir em mais que uma direcção
sorrir desalmadamente e não deixar rastro

entrar bastante em glóbulos brancos de sangue novo
dormir o sono dos justos
correr nu sobre os últimos poemas de amor de um poeta

desejar bastante a vida num minuto
sorrir antecipando-me assim à morte
soltar o corpo dentro do corpo das vizinhas dos telhados

17.4.09

completamente pa bó


Na caixa aberta divagamos. Gritamos alto, enganando o silvo-trova que passa. Rimos das tontas curvas que faz a pick-up. Que farão os passageiros no interior? Espreitamos pelo vidro e rimo-nos do absurdo da traquinagem.

 


15.4.09

di nove di mei dia

Na caixa aberta tentamos proteger os cabelos. O vento alucina na passagem pelas nossas bochechas. O pano aberto ensaia-se a vela. Poderia ter-te visto a voar, a voar, perdida no oceano imenso que nos rodeia. Rimo-nos ao invés a bandeiras despregadas.

14.4.09

nós que vivemos digitalmente vos agradecemos


Fonte: Texas Instruments

Chegámos aqui Jack Kilby e Robert Noyce
Sem vocês não seríamos nada
Sem vocês continuaríamos a seguir cegos por esse mundo fora
Sem vocês ainda rastejaríamos numa terra sem horizonte

Convosco somos plenos
Convosco a roda dentada óleo lubrificante motor de combustão é o legado arqueológico
Agora impelimos o rastilho através da analogia
Movemo-nos discretamente em frente

tud dreto

Na caixa aberta cantamos. A estrada rasga a paisagem num trilho interminável. Inevitavelmente road to nowhere. 



12.4.09

return



Se não contribuir sou expulsa. Não me posso dar a esse luxo. Contribuo. Com palavras vazias de sentido, palavras cheias de conteúdo. Fotos imagens perdidas encontradas no versículo galáctico. Enveredo por uma viagem absurda sem retorno. Todos vós já o fizestes, imagino. Faço-o eu também agora. Pedirei conselhos. Se assim se prover, loucura o permitindo. Carrego no ventre os filhos dos deuses.

9.4.09

céu anil sobre terra ocre


a pele que cobre as papoilas
viçosas de vento
agora a duas cores
o ocre do teu cálice
o anil do teu cabelo
e falo contigo a duas vozes

a pele com que respiro
pedaços de presença

deserto de restolho outrora vida
dentro da carne
nas retinas do meu peito

céu anil sobre terra ocre

ao fim da tarde
o deserto é luminoso

como é estupendo
entrar na terra respirar o ar

alimentar-me a duas cores

excerto de livro inédito

USUCAPIENTE IMAGINÁRIA, A ALMA...

Da minha loucura serei dono
só porque tem sido pacífica e prolongada a posse ?

E o Outono,
disfarçado de ave migradora, por mais que no seu voo roce
a infinitude do tempo, poderá vir a ser dono
das folhas que mata de amarelo ?

São porventura meus os arquétipos que aceito, uso e esfacelo
na minha mente e que tento depois com as mãos da memória
/ reconstruir no barro
substancial das palavras - e não posso ?

Só o sarro
de tudo quanto existe é verdadeiramente nosso
( e mesmo assim invocando a usucapião ).

E até esse ( ou isso ) irá comigo um dia dar sentido ao chão.

8.4.09

vitral em parede cega

Com estilhaços de si próprio o Sol constrói o puzzle da aurora.

Por isso, o dia nasce já com asas emprestadas
e o corpo hipotecado à luz que o devora;
por isso, é que as imagens das coisas jacentes na memória
são apenas pressentidas e como tal guardadas
- enfim, simples escória
para deitar ao lixo.

7.4.09

poema introdutório

Aquilo de que o homem despojou as coisas
não lhes faz falta
porque elas continuam a ser do mesmo modo.

Mas há um cavalo de ventas mornas
com patas como qualquer cavalo e asas como nenhum...

( As rédeas são notas agudas de flauta
e o flanco fácil e sereno).

O seu nascer é ininterrupto
para morrer amanhã.

- E tal não acontece ao mesmo tempo por um truque de câmbio,
para que a morte não perca o seu valor extrínseco
nas obsessões da água
e na alegria dos bichos,
enquanto permanece inefável a conjugação de sexos nas árvores.

Mas não bastam as asas ao cavalo:
São necessárias as patas,
imprescindíveis as patas do cavalo
- funcionais, autênticas, terríveis -
porque as patas do Pégaso são falsas
à força de tanto desdobrarem asas subservientes.

Asas? Quase inúteis...

Se as patas forem patas
capazes de bradar no solo surdo,
o céu há-de baixar-se para que o cavalo o penetre.

das palavras mais importantes para a realidade outra até agora

6.4.09

do regresso da não ausência


' há umas aves extraordinárias que voltam ano após ano ao seu ninho.
há no interior das àrvores de folha caduca uma energia incrível que se acumula nos dias frios e se liberta com os dias largos. nem extraordinário nem incrível, mas estou de volta. obrigado leonardo.'

1.4.09

da natureza dos lugares

Há uma intrínseca tristeza na vida urbana pura. Nem boa nem má. Mas consegue-se ver transparente nos rostos de quem está nesta viagem. Podem ter olhos grandes negros supostamente impenetráveis. Podem ter 12 anos e caminhar de jeans compradas na feira. Podem fazer a barba todos os dias sistemáticos às 6h30 da manhã. Pode chover e pode estar um sol radiante. Nada indica que essa tristeza seja real, mas está lá, omnipresente. Isso, ou andar de metro em Lisboa com Decades dos Joy Division nos ouvidos a mascarar tudo o que se passa à minha volta.

25.3.09

da volatilidade

Amparo nos braços a violência do corpo embriagado nas tempestades eléctricas e na fúria desconexa de uma libertação impossível. Sinto a impotência, a solidão opressora desse corpo que se desfaz perante o meu olhar atento.

Assisto enclausurado à transformação da carne, ao percurso volátil dos músculos liquefeitos nos membros retorcidos. A pele transmuta-se em pedra fustigada pelo vento e pelo mar. Os polos de repulsão eléctrica pulsam aleatoriamente pelo rosto.

Só eu pareço aperceber-me, a plateia finge-se demasiado ocupada a preparar a sua defesa, contra o ataque das condições desumanas, contra o assalto da realidade visível e invisível.

Ainda agora me percorre um calafrio, um choque eléctrico, sempre que acordado cerro as pálpebras. Sempre que adormecido sucumbo aos sonhos em que sinto o toque suave dos teus dedos.

quatro registos de um verão mental

1

A LIBÉLULA

No charco da memória,
aí, onde se dá a metamorfose das palavras
e o sedimento dos dias se acumula,
aí - e só aí - a solidão é fértil
e o grito atinge as nebulosas.

O torpor da libélula,
que desova num junco,
torna menos efémero o fluir do tempo
e bem mais íntima e secreta a presença da água
na construção da metáfora
e nos olhos do poema.

2

A CARPA

A astuta carpa lentamente nada,
desenhando na vasa a geratriz do silêncio.
Ela antecipa-se às estrelas e prepara a Noite
para o sonoro e prolongado êxtase
da cópula das rãs.

Ejaculada no espaço sideral,
a Via-Láctea inunda de prazer
as mucosas genitais da intemporalidade,
enquanto a carpa astuta lentamente nada.



3

O SALGUEIRO - CHORÃO

Fototropismo, sim, mas quanto baste !
E tal como Jacob contra o Anjo
o salgueiro - chorão resiste ao sol do meio-dia
para que a água o deixe acariciar-lhe a cútis
e as aves vão beber na ponta dos seus dedos.


4

O FENO

É no odor do feno,
quando o sol arde, louco de ciúme,
que o nosso amor se assume
autêntico e pleno.

E, deste Estio quente,
só isso e o feno ficam no cérebro da gente.

arca encoirada

Deus fechou-me a Alma
e engoliu a chave:
Sou agora a ave
que cai com a calma,
( como no soneto
de Sá de Miranda ).

Lá poetar, poeto;
mas quem pode e manda
deixa, porventura,
que eu próprio me abra,
usando a loucura
como pé de cabra ?

Se Deus não defeca,
nem bolça o que ingere,
nada há que eu espere
desta inútil seca.

Ele há-de, porém,
descobrir no fim
que a chave que tem
não me abre a mim.

22.3.09

transfiguração errada

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Há uma fraude na paisagem: A luz que a ilumina é da véspera!

E o estafeta, dando por isso, pára de repente
e, ante o pasmo de córregos e árvores,
deixa cair da mão o testemunho inútil
e morre afogado em desespero.

...........................................................
...........................................................

É então que surge um anjo resplandecente de luz
( daquela mesma luz que antes faltava à paisagem ),
e arrebata consigo o testemunho,
ainda quente,
não do chão mas da mão, agora fria,
do poeta que fica, inteiro mas bem morto,
a apodrecer nas cores do Arco da Aliança.

16.3.09

das alterações climáticas

Chegámos ao Verão, sem sequer passar pela Primavera.

Os ovos já ficam estrelados nos capôs dos automóveis.
Os pavões pavoneiam-se de chinelos.

Chegámos ao Verão, sem sequer passar pela Primavera.

E o frio, já ficou lá atrás.
Já não saímos de casa no barco insuflável.

Chegámos ao Verão, sem sequer passar pela Primavera.

11.3.09

do murmúrio

Há um murmúrio na solidão rochosa do homem quando um cigarro se acende cautelosamente.

Os dedos amarelados traem a imensidão rochosa desse peito. Esse peito aberto ao vento que inspira e transpira desconforto. Nos lábios gotejantes, diamantes disfarçam-se em nuvens de fumo e o beijo é substituído pela sofreguidão de um sorriso forçado.

Duvidas do amor por breves instantes e questionas a alienação por longos momentos.

Esse murmúrio rochoso que se instalou no homem de quem falo não se deve à solidão do amor, mas sim ao fumo do esquecimento. Deseja o esquecimento e evita a todo custo o amor toxicodepência. 

Por isso os lábios onde se formavam diamantes de ternura transformaram-se em duas pedras angulares inorgânicas. Sofregamente inalam e trituram monóxido.

6.3.09

encenação para a morte dum poeta



ENCENAÇÃO PARA A MORTE DUM POETA


Alguém desceu pela lingueta de pedra até ao rio,
transportando uma angústia feita corda
com uma das pontas amarrada ao paredão
e a outra à volta do pescoço.

Deitou-se depois no fundo dum caíque, abriu as pernas
e, encalhando os tornozelos nas forquilhas dos remos,
aí ficou com os pés agrilhoados.

Seguidamente pôs-se a roer, até ao ponto de ruptura,
a outra corda ( a que prendia o barco à margem ).


E, muito antes de a noite se esvaziar de todo
pelo esgoto aberto das pupilas dilatadas,
o rio, em maré viva e na vazante, fez o resto.

4.3.09

tragédia ao sol posto

SONHO REQUENTADO


Enquanto o Sol, ébrio de desejo, se desenvencilha da Luz,
hipotecando ao Tempo a sua própria parte de Infinito,
a Noite despe a túnica e fica em vão à espera
da prometida metamorfose eternamente adiada.

A única referência para o debuxo do poema é o coaxar das rãs
no charco onde, por reflexão, se precipitam os astros
e, por sadismo, se afogam os poetas.

As aves não dormem, simplesmente esperam,
tal como a Noite,
que o mesmo Sol as transforme em voos de pura claridade
e em gorjeios matinais eficazmente obscenos.

E porque as palavras não cabem no silêncio estelar,
renuncio à minha própria parte de Infinito
e concedo-lhes espaço nos meus versos.

da consciência

A paixão desdobra-se abrupta
Em tristeza e agonia
Quando a mão aprisiona a luz
E a euforia da conquista
Não mais se encontra no coração
Que sofre

2.3.09

das cinzas enquanto objecto poético

cicatrizes

CICATRIZ DECORATIVA -1

Lembrar-te é o despedir-me de pássaros no outono,
debruçado na ponte de ferro
que liga o teu abandono
ao meu berro.

27.2.09

cidade nua

JARDIM REPOVOADO


Neste domingo sem Sol, em que vieste e choveu
inesperadamente sobre os pássaros e no violino do cego,
o jardim público, onde as crianças, há pouco, eram o mais importante,
surgiu-me decadente como um império nascido
da ambição de uns tantos,
do heroísmo ocasional de alguns
e da escravidão dos outros.
As cascas dos tremoços, cuspidas por bocas insuspeitas
e por outras prostituídas,
aumentavam o lixo metafísico das minhas recordações inventadas.
Sim, porque inventar recordações
é um honesto entretenimento dos deuses
e um trágico destino dos poetas
e de todos os que sonham aos domingos, quando há Sol,
e depois chegas tu, realidade absurda e tolerada,
e choves, sem nos molhares,
deixando-nos encharcados de pegajosa melancolia -
- esse humilhante lacre com que o tempo torna invioláveis
os segredos das coisas.

O lago, a estátua, a simetria estúpida dos canteiros;
as ruas de saibro cilindrado e de traçado tão diferente
das rotas dos astros;
essa gruta com falsas estalactites de cimento,
mais o polícia com que a moral adorna os parques públicos -
- tudo o que jaz no jardim e saiu de cabeças humanas,
deixando-as aliviadas e porventura felizes
( as cabeças respeitáveis dos senhores vereadores,
do senhor arquitecto paisagista,
do senhor escultor de bustos encomendados e, por isso, difíceis ) -
- tudo isso pretende agora instalar-se de qualquer jeito
na minha memória
( sem ter lugar marcado,
como num transporte colectivo já repleto ),
ante a minha obstinada, peremptória e vã recusa.

É meu desejo, porém, levar comigo,
para o depois de amanhã da véspera da minha morte apenas as coisas do parque que não sairam de cabeça nenhuma

( e caibam na minha ),
ordenadas embora como quesitos de um agravo sem alçada possível:

1º - As flores hermafroditas, e só essas,
porque as outras sabem bem o que é amar.

2º - Os peixes degredados no lago artificial,
essa estranha e inútil infra-estrutura das paisagens urbanas
incipientemente retocadas por mãos que se goraram no espanto.

3º - As árvores defraudadas na liberdade do seu fototropismo
por podas perversas.

4º - O cego, mas sem o violino,
uma vez que as cordas deste não podem substituir-lhe os nervos ópticos.

5º - Os namorados, tão inocentes afinal nas suas malícias telecomandadas.

6º - As crianças, que mais tarde darão conta de que alguém as abandonou,
à porta do Universo,
com um jogo de cueiros, sem quaisquer iniciais bordadas,
e sem chapa de identificação ao pescoço (falta esta que bem pode vir a ser suprida com a corda que hoje saltam ).

7º - A velha e miserável vendedora de tremoços,
que nunca ouviu falar de metafísica
( e não precisa disso para nada
porque ela própria a encarna,
quando o seu lutar pela vida não se parece com o dos bichos
e apenas resulta do seu consciente medo de morrer ).

Quem de direito dirá, depois, se é preciso autenticar estes quesitos
e reconhecerem-me a assinatura.

De qualquer modo, informo, desde já,
que tenho sinais abertos em vários cartórios oficiais:

Para lá da sarça, onde Deus se escondeu para falar a Moisés;
no magma, onde o Diabo sustenta o seu harém;
nas areias das praias solitárias
onde somente a erosão é a lasciva e venal testemunha do Tempo,
e na terceira circunvolução esquerda do meu cérebro.

24.2.09

alumina

Apresento-vos orgulhosamente a minha primeira composição musical, onde misturo paisagens electrónicas, alguns apontamentos de outros sons e a minha voz sobre os meus poemas, os quais tenho vindo a deixar pedaços espalhados por esta realidade outra.

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