19.7.09

como seara

E agora aqui vejo-te, como seara ainda jovem que galga os campos como ondas incontroláveis de um mar tempestuoso. E as tuas mãos como a centopeia que fazem cócegas no éter e transportam as tuas sementes espalhando a fúria da decisão.

E os teus abismos aos magotes saltando nos poços fundos que trago no peito escancarado à brisa da madrugada húmida do orvalhar das nossas lágrimas de riso da noite da festa de que partimos a meio sem avisar e naquela eternidade que foi como um fogacho nas nossas vidas ficámos a sós. Com os nossos abismos.

(como seara aumentada por Paulo Bernardino Ribeiro)

de esperança

É de esperança que te cubro como as amolgadelas dos teus beijos. Os nossos lábios tocam-se como parachoques encostam languidamente em slow motion num choque frontal. Somos os dois, automóvel parabrisas estilhaçado volante em contramão.

Os nossos mecanismos de fuga são sempre para a frente é tão óbvio e indiscutível para ambos a impossibilidade do mecanismo de inversão de marcha nas nossas vidas e por isso chocamos frontalmente quando em direcções opostas nos vemos e num segundo do olhar imobilizamos os olhos soltando pestanas expandimos os lábios roçamos os dedos contrariamos as mãos. Já em contra-mão. (Paulo Bernardino Ribeiro)

Oh, mas não julgues que te falo de fuga. Falo-te de fusão. Embora tenhamos sido metal azul. Agora somos um bloco, onde a chama continua a arder vermelha. Agora respeitamos os semáforos e estendemos passadeiras para que à nossa frente se atravessem os transeuntes.

Disse e repito para que oiças com todos os teus ouvidos podes também ler nos lábios as palavras ou nos olhos os sentidos das palavras. Jamais voltar atrás jamais inverter ser como o andorinhão-negro em frente em velocidade sempre sem parar dormimos em voo para não ter de acordar imóveis. Sabes, a fusão também é uma forma de fuga. Foges de ti. (Paulo Bernardino Ribeiro)

Duplos sentidos, choques e colisões, fuga, fuga, fuga. Discordo. Se me falares do calor que se escapa acredito em ti. Mas não me digas que fujo de mim. A não ser que queiras dizer que essa fuga é apenas mais uma forma de me encontrar. O encontro é o meu propósito e para isso serve o duplo sentido, o choque e a colisão, fuga, fuga, fuga.

Se me falares eu escuto e falo-te do calor para que em mim creias sabendo eu de antemão que essa estória do partir para me encontrar foi chão que já deu uvas que deram passas e passas agora à minha porta tu que partiste e não te encontraste. Colidimos e não me encontraste. (Paulo Bernardino Ribeiro)

Será sempre assim.

18.7.09

da vida noutro lugar

































































aqui reencontro os elementos primordiais
sendo que a água e o ar me preenchem por inteiro

11.7.09

Poesia pós trauma

Fogo de São Telmo
Assassinatos à beira rio
Formações salinas cristais na pele dos vivos
Outras curiosidades, sangue negro encarnado à pele dos mortos
Pétalas pelo ar
Concatenação de pétalas

9.7.09

intermezzo

BREVE DRAMA EM TRÊS ACTOS

I

Viajo clandestinamente nos porões infectos
das palavras - fantasmas, vindas do interior do Tempo,
que arribam, nervos adentro, ao limiar do Ser,
para tentarem o assédio ao Espírito
( e às quais este se recusa a dar jazida
na doca da memória ).

II.

E, assim, na condição de errantes - eu e elas -
viajamos pelo Cosmos, com a data do óbito tatuada na face,
estimulando as nebulosas a segregarem os poemas
de que a Eternidade carece para a sua própria existência
e a Alma não dispensa para o equilíbrio instável
da sua arquitectura.


III

Caído em decúbito, o silêncio explica tudo;
e a Música sobrevive, no íntimo do cérebro,
à ruptura dos tímpanos da Alma
irreversivelmente feridos pelos timbales triunfais da Morte.
E, quando o pano cai, fico do lado de cá,
Excluído, humilhado e a mascar com raiva este abandono.

anátema

Em cada verso há um pássaro esganado
e um voo interrompido
- asas inertes cujas rémiges perderam o sentido
mas que o poeta arranca e usurpa para sentir-se alado.

Feito o poema, que dedico
ao teu corpo de mulher - substância do meu sonho -,
sou compelido a cumprir o meu destino de ave: Nidifico
no labirinto do teu sexo misterioso e aí deponho
a Via Láctea do meu sémen povoado de astros e asteróides.


Não haverá maldição, que sobre ti não caia,
se um dia renunciares a tudo o que eu te der e de mim saia,
incluindo versos e espermatozóides.