31.1.09

artifícios do desejo


Quando tristíssima e nua, inesperada estátua,
te sentaste na relva e ergueste as ogivas dos joelhos,
unindo-os num abraço,
para neles pousares, sobre uma face, o rosto,
aconteceu no parque o último dos poentes.

Arrevesado e indecifrável foi então, no bronze verde,
o linguajar dos pássaros com cio.

29.1.09

perpétuo

aconteceu para lá da consciência

Meu pai submerso nos confins do espaço exterior em busca da harmonia. Eu nesse espaço, confinado pela genialidade e pelo amor autoritário como a estrela primeira na boreal aurora. Entre uma carícia opaca e uma explosão de luz.

Minha mãe atarefada em compreender o cosmos interior de todo o mundo. Eu nesse espaço infinito, da compreensão e do doce amor, como um sábio confessor. Entre um acordo mudo e um aceno de compreensão.

Nesse universo de colisões intelectuais soçobrava a minha vontade, soçobrava a minha personalidade. Para sempre reflexo menor. Como quem não quer ser confrontado com a sua condição essencial.

Meu pai será para sempre a estrela maior da noite a minha mãe o sol soberano no dia sem nuvens.

25.1.09

do AMOR




Aquele coração de plasticina que endurece ou amolece consoante a temperatura e  facilmente se derrete e se torna altamente vulnerável... ou por outro lado endurece, mas apesar de frio continua a absorver moça atras de moça...

Aquele coração que é difícil de moldar dada a sua sempre pouca, sempre muita plasticidade... aquele cuja imagem é de foi atingido por partículas sem massa que voavam à velocidade da luz. Os fotões fundidos que se "gravidadtão" na plasticidade dita e criam a plena obra prima que Leonardos ou Miguel Angelos de todos os tempos não conseguem retratar. 

Aquele coração aberto com todas as veias, artérias e válvulas descobertas e sem uma gota de sangue... limpo. Aquele coração em fase de autópsia que a descoberto tenta dizer aos jovens médicos toda a sua história e não consegue... 

Não que esteja morto, mas porque é feito de AMOR... e esse são morre, mas não conta histórias que sejm "verdadosas"para outros... corações!

21.1.09

escritura de compra e venda


Escritura de Compra e Venda---------------------
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
“ Aos tantos de tal do ano de não sei quantos,----------------------------
na vastidão do Cosmos,--------------------------------------------------------------------
perante mim, notário privativo do Absurdo,----------------------------
e as testemunhas idóneas - o Atavismo e a Memória,-------------------
compareceram como outorgantes:---------------------------------------------------------
- Primeiro: O Tempo,---------------------------------------------------------------------
casado em regime de absoluta separação de bens com a Matéria,
ambos naturais do Universo,-------------------------------------------------------------
com residência habitual dentro e fora das Coisas,-------------------------
outorgando por si e ainda pelo Espaço--------------------------------------------
( este ausente em parte incerta e natural do Equívoco ),----------
conforme poderes que lhe foram conferidos-------------------------------------
por procuração outorgada, no cartório do Caos,----------------------------
na véspera do primeiro dia do Génesis;---------------------------------------
- Segundo: A Alma, divorciada do Tudo,----------------------------
com residência habitual dentro do Corpo,----------------------------------
natural dum país sem divisão administrativa conhecida.-----
Reconheço as identidades de ambos os outorgantes,-------------------
por serem do meu conhecimento pessoal. ------------------------------------
Pelo primeiro outorgante foi dito :----------------------------------------------
Que, por esta escritura, vendia ao segundo,--------------------------------
livre de quaisquer ónus e encargos,------------------------------------------------
pelo valor do quotidiano consciente ---------------------------------------------
- preço já recebido e do qual, por isso, dava à compradora- -----
a correspondente quitação -------------------------------------------------------------
a parte que a ele e ao seu representado cabe no meu Ser,------
a qual confronta de todos os lados com o Infinito.-------------------
Pelo segundo outorgante foi dito: Que aceitava este contrato,
nos precisos termos em que fica exarado,---------------------------------------
bem como a quitação do preço.-------------------------------------------------------
Assim o disseram, outorgaram e reciprocamente aceitaram,
na minha presença,-----------------------------------------------------------------------
pelo que vão assinar esta escritura comigo,--------------------------------
notário privativo do Absurdo e poeta nas horas vagas,------
depois de por mim ter sido lida em voz alta---------------------------
e explicado o seu conteúdo e efeitos,----------------------------------------------
na presença simultânea das testemunhas e dos outorgantes.
( Seguem-se as assinaturas ). ”----------------------------------------------

puzzle irresolúvel


Com os cacos de mim
espalhados à sorte
num limpo céu nocturno,
tento reconstruir o espelho todo e, outrossim,
achar quem de novo e inteiro me transporte
aos carnavais de Saturno.


E afinal num único pedaço
cabem as mesmíssimas estrelas
que se reflectiam no espelho todo.


( E se não mudo, quando em cacos me desfaço,
por quê olhá-las e querer compreendê-las ? )

E porque não adormeço, afinal, e me acomodo
se o Cosmos está codificado algures em mim
e vai continuar aí – tal como está – e muito para além de um vulgar fim .?

20.1.09

ainda a metrópole


um mero caso de drenagem defeituosa


Antes que os bueiros da alma, para onde escorrem os poemas,
se entupam para sempre com os fragmentos de silêncio e de outros lixos,
que a enxurrada do tempo para lá transporta,
deixemos livremente fluir nossas canções mais intimas e blasfemas
pelo corpo da feminina noite sideral, desde os seios e coxas às goelas dos
/ bichos,
que à sua sombra procriam à pressa atrás de qualquer porta.

Inundado de angústia e amordaçado em sua condição de autoproscrito,
um poeta é a única Coisa que mantém intacto o Infinito.

breve convívio com insectos inesperados


Nas hastes destes juncos, onde o estio arde,
prolonga-se a agonia das libélulas
que desovam, de asas abertas, inteiramente dadas à luxúria da tarde.

Daí a força que meu ser domina
desde o núcleo das células,
onde a semente do tempo se lá cai germina,
até à flor da pele, que a si mesma se inventa,
perante um infinito que só existe à custa
do que a nossa natureza lhe acrescenta.

À tona do paul a própria luz se manifesta e barafusta
contra o anonimato assumido pelas coisas.

E tu, que a voar a tudo isto assistes,
porque não deixas o poema inacabado e finalmente poisas
num destes juncos tristes ?

18.1.09

da geografia




no vasto oceano que é a nossa casa movimento-me no meu submarino de pedra, aos limites da geografia subaquática conhecida. 

não me atrevo a ir para lá do declive rochoso enxuto, a terra firme causa-me naúseas. 

15.1.09

para lá da realidade digital

Estou aqui sou o teu habitat
Não digas que não me sentes
A luz branca que te toca
A poeira que te cobre
Cheiro a estática entranhado nas tuas unhas
DNA embebido no teu ventre
Os teus pensamentos fractais expostos frágeis
Sou a presença e a ausência
Abraço-te e empurro-te 

Esse é o meu propósito singular

14.1.09

ainda a obsessão pela palavra cantada ou dita




SOU ESTRUTURA TRANSPARÊNCIA

chuva criola


Vazia de conteúdo, escorrem-lhe letras não palavras. Tenta em vão concentrar-se nas gotas que se agarram desnecessariamente às janelas, em vão em busca de padrões reconhecíveis. É corpo, terra vento. Decompõem-se células epidérmicas em vapores que se perdem num odor. Perpetua o erro, de ser ela própria.

Na esplanada já ninguém, apenas pombos lhe aquecem os pés. Teimosamente paralisada, buscando uma solução inarrável. 

12.1.09

da metrópole

Gore-Tex

Há relações que apesar de não serem amorosas, são de amor. E também nessas, a maçã envenenada existe e consequentemente a tentação. Mas há várias histórias do Capuchinho Vermelho e nem em todas a avó é comida pelo lobo.

Neste nosso amor, a Cinderela foi embora à meia-noite... quando encontrar a bela da sandália, encontrará o Príncipe que não lhe faz calos na alma e o coração pode finalmente respirar sem asma.

Felizmente este nosso amor é feito de Gor-Tex e tem memória, é inteligente. 

Para ti, Berlim 29 Out. 2008

11.1.09

da submissão

definitiva 

a posição do indivíduo 

na periferia do poder

8.1.09

doçura II


ESTOU PARA LÁ

DE TODO O CONTEXTO

OBLÍQUO

6.1.09

doçura



ESTOU PARA LÁ 

DE TODA A MATÉRIA 

DIFUSO

5.1.09

da noite viúva I


a noite viúva
está agachada no chão da rua
chorando a morte do seu amante
gatos que cruzam a estrada
latidos que cruzam o ar
homens que cruzam os braços

noite viúva do seu amante
esta em que os amantes solitários
enchem as ruas
esta em que as estrelas são lágrimas
restos de sol em gangrena
como são escuras as entranhas do universo

vi as flores viçosas da manhã
libertando minhocas podres
na seiva podre
como sendo o esgoto da natureza

vi as árvores que ladeiam a estrada
quebradas nos seus ramos
como estalactites derretendo em sebo
o couro de seres vivos mortos

da linha curva

Não me posso alhear

Sistema cerebral em sobrecarga
Rugosidades digitais impressas
Na mensurável leveza dos arrepios

Nas pegadas as marcas profundas do caminho

Esta é a minha linha curva
Anti matéria 

4.1.09

das colinas da vida

Foto: Alexandre Mateus

Seguramente, mais do que sete, as colinas da vida, pensava. O bafo quente do chá envolvia-a, sentada naquele quiosque sentado na segunda delas. Bastava olhar para as três ou quatro semanas que tinha acabado de enterrar para sabê-lo na pele.

Tenho de me afastar dos vales.

Devia permanecer nos topos. Como um equilibrista, como alguém que medita num paradisíaco alto do mundo. Inevitavelmente porém, o topo deverá parecer monótono ao fim de um tempo, divagava. A melancolia da dificuldade pesaria então brejeira. Yin-yang. Verão inverno.  Dia noite.

“a life less bound by the parameters of perfection”, so the Architect goes in speech.

Nos vales. Encontros, evocações, insatisfações. Foram tantos nestas últimas semanas. Assolava-a uma pergunta, permeava-a, inundava-a – há sempre utilidade nas relações? Ou qual a utilidade de algumas? Fiz uma arrumação, descobriu. Como se tivesse havido uma greve e o lixo se tivesse empilhado duma assentada à sua beira. Algum até lhe parecia reciclável mas, olhando para trás, sabe agora que tudo foi devolvido ao aterro. Depois do desespero da dúvida, a certeza serena.

Preciso de vales para me limpar.