26.4.09

das rugas o cimento


assim como a nossa vida se pode descrever pelas linhas nas nossas mãos, também esta estória se pode descrever pelas rugas no cimento.
a intervenção geométrica, subjugada pelo uso, pela chuva, o impacto dos objectos. muitos pés apressados a correr em forma de brincadeira, muitos brinquedos de madeira,  e pedras a rolar.

do imaginário



'boneca e gato com cadeira vazia, paúl de santo antão cabo verde'

há alguem desse lado que queira contar esta estória?

25.4.09

da digital idade


Somos arquitectos puros
Não temos de nos preocupar em explicar o que une a recta mais que o conjunto dos seus pontos

Somos visionários
Não temos medo da alma nem do segredo nem do desconhecido
Somos fantasmas dentro da máquina
Nós somos verdadeiramente o fantasma
Os sussurros são nossos fragmentos interjeições perguntas e respostas
A causa e a consequência da memória

24.4.09

movimento perpétuo

Pensamos a partir do postulado
De que tudo no mundo é relativo,
Quando é certo que em tudo o que medimos
é a nossa própria dimensão que achamos.

Em cada óbito o cosmos morre inteiro
E inteiro vai ressuscitar no óvulo
Que, fecundado, vinga.

22.4.09

da inexistência física

chegará um tempo em que o nosso lar não será mais doce lar. porque não interessará mais onde estamos mas sim quando estamos.

21.4.09

correr bastante sorrir





viver bastante até ser gato
sonhar imóvel num muro de cal
correr sob os telhados das casas das vizinhas

resgatar bastante as estrelas à noite
partir em mais que uma direcção
sorrir desalmadamente e não deixar rastro

entrar bastante em glóbulos brancos de sangue novo
dormir o sono dos justos
correr nu sobre os últimos poemas de amor de um poeta

desejar bastante a vida num minuto
sorrir antecipando-me assim à morte
soltar o corpo dentro do corpo das vizinhas dos telhados

17.4.09

completamente pa bó


Na caixa aberta divagamos. Gritamos alto, enganando o silvo-trova que passa. Rimos das tontas curvas que faz a pick-up. Que farão os passageiros no interior? Espreitamos pelo vidro e rimo-nos do absurdo da traquinagem.

 


15.4.09

di nove di mei dia

Na caixa aberta tentamos proteger os cabelos. O vento alucina na passagem pelas nossas bochechas. O pano aberto ensaia-se a vela. Poderia ter-te visto a voar, a voar, perdida no oceano imenso que nos rodeia. Rimo-nos ao invés a bandeiras despregadas.

14.4.09

nós que vivemos digitalmente vos agradecemos


Fonte: Texas Instruments

Chegámos aqui Jack Kilby e Robert Noyce
Sem vocês não seríamos nada
Sem vocês continuaríamos a seguir cegos por esse mundo fora
Sem vocês ainda rastejaríamos numa terra sem horizonte

Convosco somos plenos
Convosco a roda dentada óleo lubrificante motor de combustão é o legado arqueológico
Agora impelimos o rastilho através da analogia
Movemo-nos discretamente em frente

tud dreto

Na caixa aberta cantamos. A estrada rasga a paisagem num trilho interminável. Inevitavelmente road to nowhere. 



12.4.09

return



Se não contribuir sou expulsa. Não me posso dar a esse luxo. Contribuo. Com palavras vazias de sentido, palavras cheias de conteúdo. Fotos imagens perdidas encontradas no versículo galáctico. Enveredo por uma viagem absurda sem retorno. Todos vós já o fizestes, imagino. Faço-o eu também agora. Pedirei conselhos. Se assim se prover, loucura o permitindo. Carrego no ventre os filhos dos deuses.

9.4.09

céu anil sobre terra ocre


a pele que cobre as papoilas
viçosas de vento
agora a duas cores
o ocre do teu cálice
o anil do teu cabelo
e falo contigo a duas vozes

a pele com que respiro
pedaços de presença

deserto de restolho outrora vida
dentro da carne
nas retinas do meu peito

céu anil sobre terra ocre

ao fim da tarde
o deserto é luminoso

como é estupendo
entrar na terra respirar o ar

alimentar-me a duas cores

excerto de livro inédito

USUCAPIENTE IMAGINÁRIA, A ALMA...

Da minha loucura serei dono
só porque tem sido pacífica e prolongada a posse ?

E o Outono,
disfarçado de ave migradora, por mais que no seu voo roce
a infinitude do tempo, poderá vir a ser dono
das folhas que mata de amarelo ?

São porventura meus os arquétipos que aceito, uso e esfacelo
na minha mente e que tento depois com as mãos da memória
/ reconstruir no barro
substancial das palavras - e não posso ?

Só o sarro
de tudo quanto existe é verdadeiramente nosso
( e mesmo assim invocando a usucapião ).

E até esse ( ou isso ) irá comigo um dia dar sentido ao chão.

8.4.09

vitral em parede cega

Com estilhaços de si próprio o Sol constrói o puzzle da aurora.

Por isso, o dia nasce já com asas emprestadas
e o corpo hipotecado à luz que o devora;
por isso, é que as imagens das coisas jacentes na memória
são apenas pressentidas e como tal guardadas
- enfim, simples escória
para deitar ao lixo.

7.4.09

poema introdutório

Aquilo de que o homem despojou as coisas
não lhes faz falta
porque elas continuam a ser do mesmo modo.

Mas há um cavalo de ventas mornas
com patas como qualquer cavalo e asas como nenhum...

( As rédeas são notas agudas de flauta
e o flanco fácil e sereno).

O seu nascer é ininterrupto
para morrer amanhã.

- E tal não acontece ao mesmo tempo por um truque de câmbio,
para que a morte não perca o seu valor extrínseco
nas obsessões da água
e na alegria dos bichos,
enquanto permanece inefável a conjugação de sexos nas árvores.

Mas não bastam as asas ao cavalo:
São necessárias as patas,
imprescindíveis as patas do cavalo
- funcionais, autênticas, terríveis -
porque as patas do Pégaso são falsas
à força de tanto desdobrarem asas subservientes.

Asas? Quase inúteis...

Se as patas forem patas
capazes de bradar no solo surdo,
o céu há-de baixar-se para que o cavalo o penetre.

das palavras mais importantes para a realidade outra até agora

6.4.09

do regresso da não ausência


' há umas aves extraordinárias que voltam ano após ano ao seu ninho.
há no interior das àrvores de folha caduca uma energia incrível que se acumula nos dias frios e se liberta com os dias largos. nem extraordinário nem incrível, mas estou de volta. obrigado leonardo.'

1.4.09

da natureza dos lugares

Há uma intrínseca tristeza na vida urbana pura. Nem boa nem má. Mas consegue-se ver transparente nos rostos de quem está nesta viagem. Podem ter olhos grandes negros supostamente impenetráveis. Podem ter 12 anos e caminhar de jeans compradas na feira. Podem fazer a barba todos os dias sistemáticos às 6h30 da manhã. Pode chover e pode estar um sol radiante. Nada indica que essa tristeza seja real, mas está lá, omnipresente. Isso, ou andar de metro em Lisboa com Decades dos Joy Division nos ouvidos a mascarar tudo o que se passa à minha volta.