1
A LIBÉLULA
No charco da memória,
aí, onde se dá a metamorfose das palavras
e o sedimento dos dias se acumula,
aí - e só aí - a solidão é fértil
e o grito atinge as nebulosas.
O torpor da libélula,
que desova num junco,
torna menos efémero o fluir do tempo
e bem mais íntima e secreta a presença da água
na construção da metáfora
e nos olhos do poema.
2
A CARPA
A astuta carpa lentamente nada,
desenhando na vasa a geratriz do silêncio.
Ela antecipa-se às estrelas e prepara a Noite
para o sonoro e prolongado êxtase
da cópula das rãs.
Ejaculada no espaço sideral,
a Via-Láctea inunda de prazer
as mucosas genitais da intemporalidade,
enquanto a carpa astuta lentamente nada.
3
O SALGUEIRO - CHORÃO
Fototropismo, sim, mas quanto baste !
E tal como Jacob contra o Anjo
o salgueiro - chorão resiste ao sol do meio-dia
para que a água o deixe acariciar-lhe a cútis
e as aves vão beber na ponta dos seus dedos.
4
O FENO
É no odor do feno,
quando o sol arde, louco de ciúme,
que o nosso amor se assume
autêntico e pleno.
E, deste Estio quente,
só isso e o feno ficam no cérebro da gente.
25.3.09
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