27.5.09

como se fossemos árvore

para r. vezes dois
Como se fosse seiva deslizando na atmosfera. 
Como se fosse primavera em flor.

Como se te tocasse rígido embalado pelo vento.
Como se os teus dedos esverdeados estremecessem.

Como se no ventre carregasses o fruto.
Que carregas uma e outra vez.

Como se fossemos árvore flor e fruto.
Uma e outra vez.

24.5.09

23.5.09

da janela




















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a janela tem grades de ferro
e as tuas mãos presas a elas
de dentro a fora
e as minhas mãos presas
desde o pescoço às omoplatas
apertando as ancas

observo a rua
escuto as onomatopeias que libertas
e depois suspiro

18.5.09

da porta da rua

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paredes meias com a sociedade
vivemos
ouvimos o cão e a família em cima
o gato e a sua dona ao lado
em baixo os amantes de tempos a tempos

contra a porta da rua
amo-te devagar
a tranca é metálica
e estremece ruidosa
ao mesmo ritmo que tu

13.5.09

do chão da sala


é de tacos de madeira
o chão da sala
e ferem os meus joelhos de osso a nu
arrefecem as tuas costas em fervura ardendo

as almofadas emudecem
o matraquear na madeira
mas não o nosso matraquear
e aquecemos a chão da sala ofegante
quando fixamos os tacos de madeira no tecto

ainda sinto os teus lábios

12.5.09

11.5.09

10.5.09

na calçada do cardeal

há uma cidade maravilhosa ao fim da tarde
agora que os dias crescem de luz e nevoeiro
Lisboa
e há em Lisboa uma rua uma calçada
como quem desce da graça em direcção a santa apolónia
a calçada do cardeal
e há nessa calçada uma pequena tasca
deserta a horas mortas que são as minhas horas
e tu que nunca mais chegas
e as minhas horas mortas
e o meu peito cheio de vida esperando a tua vida

não desci a santa apolónia
para te ver sair de um comboio
pois chegaste ate mim mas não foi por terra

não desci ao Tejo
para te ver sair de um navio
pois chegaste ate mim mas não foi por mar

chegaste é tudo

chegaste no primeiro dia de um mês novo
de um ano novo de uma vida nova
que seria sempre um dia novo de um mês novo
de um ano novo por me trazer vida nova
chegaste como quem sempre esteve

e reconheço a pequena tasca da calçada do cardeal
em frente a tua casa
como um espaço mágico de um tempo mágico
em que estás sem ter chegado
em que chegas sem te ausentares

há uma doença benigna na minha memória sempre que estás
(e estás mesmo antes de chegar)

e cada minuto de abraçar o teu ar
cada minuto de respirar o teu braço
e cada minuto de pressentir o teu corpo
cada minuto de possuir o teu espírito

esqueço dias de meses anteriores
de anos anteriores de vidas anteriores
das minhas e das tuas
horas vidas recantos lugares memórias

esqueço a vida os tempos e os espaços

cada minuto da tua presença
faz-me esquecer um dia da tua ausência

em breve não saberei quem sou
só tu existes

nessa calçada
nessa cidade
neste homem


'atocha' pintura de António Lopez-Garcia
esta é uma outra cidade.
mas as cidades são todas iguais.

4.5.09

das realidades de papel

Porque sempre que há uma oportunidade de extravasar conteúdos digitais, desta vez apresento-vos um desafio para que passem da realidade outra a uma realidade de papel. Deixo uma sugestão e um desafio do Portal de Lisboa.

Depois do sucesso que foi a Primeira Colectânea de Poesia Contemporânea do Portal Lisboa e da Chiado Editora (www.chiadoeditora.com), com o nome “Entre o Sono e o Sonho”, o Portal de Lisboa está agora a arrancar com o II Volume da mesma colectânea. Neste momento, procuram novos autores para entrarem neste livro. Quem quiser pode visitar o regulamento (Link Regulamento) desta colectânea no site do Portal de Lisboa. As inscrições podem ser feitas aqui (Link Inscrição).

Os autores que quiserem participar podem submeter até vinte dos seus melhores poemas, sem tema obrigatório. É absolutamente necessário que possuam qualidade, pelo que o Portal de Lisboa reserva-se o direito de não seleccionar algum autor que no seu entender não tenha essa qualidade. Esta obra será editada pela Chiado Editora, uma editora de referência que oferece garantias de um trabalho feito com profissionalismo. O prazo para inscrição termina a 1 de Julho de 2009.

1.5.09

poema introdutório

O Diabo toca flauta num campo de lírios
e o pacto nervos-alma é denunciado nesse instante..
Todas as coisas, especialmente as flores, têm o ar de quem chega
e ninguém as espera.

Por isso, há óvulos dependurados em todas as árvores
desesperando que os frustrem ou fecundem,
enquanto as mãos dos poetas se entregam como fêmeas
ao insaciável desejo de alma dos objectos inertes.

- Mas, afinal, sentir as coisas é adiar a sua posse,
não é, senhor Diabo, encantador de serpentes?

Adeus, roçar lascivo do devir,
que exacerbas até ao transe
a fome secular com que roemos as coisas!

Adeus, aves felizes, que saturastes de voos inúteis todo o espaço possível!

Adeus, adeus, barcos sexuados e expectantes,
que tendes as proas varadas na memória das viagens
através da solidão que separa as estrelas entre si!

( Oh, este nosso morrer de morte a bordo! )

- Deixai-me simplesmente que dissipe esta lírica e herdada
sensação de baía do ponto de vista do mar.

O que se ama, isso ( di-lo a música ) é o nosso próprio limite.