30.11.08
29.11.08
pião
embriagada
afirmo observo confiro
congelo os meus mísseis de longo alcance
e não te alcanço
retorno ao cativeiro que é viver sem ti
estabeleço um programa de negócios
negoceio um ensaio de sanções
sanciono as irresponsáveis autoridades
autorizo a abolição do governo
governo o nosso amor
com penas de flamingo
e outras aves de estuário
que é o teu corpo
feito das águas dos meus mergulhos
queria partir nas águas de um bando.
queria partir nas asas de um rio.
contigo crio um país sem mundo
uma terra em suspenso
composta de anos a teu lado
e dias raros
27.11.08
da infância
O zénite dissolve-se no caminho ascendente enquanto deambulo pela rua cheia de promessas. Crianças brincam ao acaso, como fiz também quando ao acaso ia deambulando cheio de energia, orientado apenas por olhos protectores.
O sabor da vida sem perspectiva. As loucuras cometidas no excesso da novidade, sem ironia nem malícia. O prazer de mentir, para preservar os pequenos minutos deliciosos. Viver inconsciente dos problemas mundanos mas mergulhado neles até ao pescoço. Viver assim no acaso premeditado como quem arrisca a vida permanentemente sem o saber, como um movimento subtil de quem apenas quer viver a vida inteira amparado por uma rede invisível.
26.11.08
uma certa nostalgia
25.11.08
da celebração
24.11.08
23.11.08
apontamentos sobre a trilogia natureza homem metrópole
O Homem na condição de criador gerou o organismo perfeito para comportar a sua existência individual. O receptáculo acolhedor de tentáculos estendidos sobre a natureza
E o indomável frémito das ondas, o poderoso assobiar do vento e a delicadeza dos finos braços das árvores já não impera.
Chegou a hora da simplicidade cruel, do cimento geométrico, do caos estabelecido do tráfego e da sinfonia afónica da máquina com os seus nevoeiros fotoquímicos e relógios sincronizados ao milímetro.
Chegou a hora da Metrópole exibir orgulhosamente a supremacia, sobre o Homem e sobre a Natureza.
Indivíduos são agora uma amálgama de espaços aéreos, terrestres e aquáticos, organizados em células macroscópicas. O homem é apenas uma minúscula partícula, roda dentada. O pássaro é de metal e pesa toneladas. A árvore tem centenas de metros de altura, ergue-se orgulhosa, espelhada reflectindo luz quando o sol se apaga.
Chegou a hora do ajuste de contas.
A Natureza assim como o Homem estão agora moribundos esperando o golpe de misericórdia. Mas tal como a natureza na sua imperfeição gerou o Homem também a Metrópole cresceu ferida de morte. E este é o seu lamento. A sua dádiva.
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Este é o lamento
A batalha pela sobrevivência
Num mundo dividido entre o Homem e a Natureza
Perdido pelos dois em detrimento de uma nova era
A minha a da metrópole
21.11.08
como a recta pode afinal ser curva
Palavras alinhadas em resposta aos poemas "da irreversibilidade enquanto libertação" de Paulo Bernardino Ribeiro e "Tempo Preso" de Maria João Rodrigues
O tempo e o espaço
O Homem e a Terra
Como corpos exógenos
Insinuam-se clarividentes e incisivos
A recta a destreza e a amplitude são também curva densidade e sombra
...
Tudo
Em nós
Marca
Passagens
Obtusas através do TEMPO
Exterminados e
Sobrepostos
Passeando
Através do subtil
Caminho
Obliteramos o ESPAÇO
Há um brilho
Ofuscante no universo
Mas
Esta noite
Memórias são únicas ao HOMEM
Temos
Em nossas mãos
Rectas, planos e pontos
Redefinidas como curvas e superfícies
Apesar de serem sempre a mesma TERRA em que nos movemos
...
O tempo e o espaço
O Homem e a Terra
Como corpos exógenos
Moldam-se inolvidavelmente à nossa imagem
da irreversibilidade enquanto libertação
a boa vontade do criador
jamais a curva o cansaço e a densidade
mas a recta a destreza e a amplitude
sendo o tempo reversível
como ponteiros em marcha-à-ré
não eterno mas perecível sim por tal olvidável o tempo
seria então exíguo o espaço
e não poderia eu correr na amplitude do ar
aspirando os segundos do tempo um depois outro
jamais a curva a espiral a repetição mas o maravilhoso desconhecido
libertação
tempo preso
Cat's Eye Hubble Remix. Image Credit: NASA, MAST, STScI, AURA and Vicent Peris (OAUV/PTeam)
20.11.08
uma visão sobre a cidade (circa 2002)
A cidade já não lança o seu rugido na noite, permanece agora quieta enquanto o vento varre as folha de um jornal amarelecido, onde se proclama o fim do apartheid. A metrópole é de silêncio, abafa a alegria em papel de alumínio, reflecte-se apenas em espelhos luminosos, de pequenas luzes em raras janelas. A cidade encontra-se fantasma como a tapeçaria celeste, gélida e imóvel.
Nós somos a metrópole fantasma, a solidão dos danos colaterais e o inóspito vácuo.
Nós somos o automóvel que desce as avenidas lançando o seu ronronar servil e iluminando os cantos, becos e esquinas com potentes faróis.
Nós somos a fuga do tempo no magnífico asfalto despido, quando os nossos sentidos se enganam pelo reflexo de uma luz há muito extinta.
Nós somos a mega estrutura das vias rápidas onde um aceno de cabeça se devanece na corrida louca contra um tempo imutável.
Nós somos a violência desta cidade, omnipresente no arame farpado, nas vedações electrificadas, na patrulha policial armada - 24 horas por dia.
Esta cidade não repousa quando o sol se põe permanece em perpétua vigilância. Esta cidade não rejubila quando a noite desvanece e se ouvem gritos abafados nos jardins de betão armado. Vida após vida adormece fumegante no solo, sem nenhuma dignidade, excepto um cartão de crédito, um telemóvel e uma identidade numérica.
metalorgânico
Poderosa ]de novo juntas]
Vigorosa [senti a tua falta. senti a falta destas lânguidas manhãs… brisa a levantar da bruma… é o rio...[
Poderosa ]arribo agora uma barcaça exímia]
Vigorosa [sinto longa a viagem rio acima. sinto peso na sustentação. levitação… aqui…[
Poderosa ]esconde-me segredos quando a manuseio. detenho-me fascinada perante a outra cidade. margem…]
19.11.08
um pedaço de sons e palavras
provocações e libertações
Quando agora provoco tempestades eléctricas no teu cérebro, é para que amanhã saibas onde me encontro. Algures a meio caminho entre a redenção e a provocação. Algures para lá do infinito rochoso do meu peito. Algures, descoberto, nu, selvagem, numa ilha deserta onde o dia não morre e a noite é uma pálida imagem das minhas memórias.
18.11.08
ave de vento
vento de hoje
hoje de sempre
sempre de ti
ti de mim
mim de nós
nós de sonho
sonho de vida
vida de verme
verme de cansaço
cansaço de peso
peso de ar
ar de manhã
manhã de canto
canto de ave
ave de vento
17.11.08
amor inocência
- Mãe, o amor é quando o coração bate muito muito muito?
- Sim, filha. Bate tanto que parece que o coração vai explodir em todas as direcções de tanta felicidade. Assim, mais ou menos, como quando a T. te dá as tuas guloseimas preferidas…
- Tão giro mãe! Deve ser tão bom, o amor…
16.11.08
de olhos límpidos a substância
15.11.08
um prelúdio para 'de olhos límpidos a substância'
os trilhos que traço em cada pele
que em ti encontro
os traços de pele que em cada encontro
em ti trilho
são os contornos dessa paisagem
imagem com odor e aragem
são a água fervendo
no suor das tuas costas
as tuas costas a terra por arar
e o ar
o que da respiração ofegante encontro
quando ao lume me dirijo
e no lume me retenho
aqui perdido no trilho do teu ser do teu sexo
14.11.08
da imprevisibilidade da lua
esta é a minha linha curva indomável
da palavra em contramão
Respiro narcotizado com o universo sob controlo, obrigado a reagir na divergência da palavra que escuto com a palavra que afirmo.
13.11.08
12.11.08
hipercivilização IV
E com o passar dos segundos um estado de inacção ganha forma, impele-me à morte, impele-me à sorte de vagabundear de olhos vazios por paisagens magníficas, sem que um tremor sequer me transfigure por dentro.
do gesto poesia
esmiúço o profundo
das redes viárias do povo da erva
11.11.08
de um tempo omnipresente
metamorfoseio a perspectiva mantendo três compassos na partitura scarlatti.
sinto forte a espiral pressinto. perscruto detalhes para me assegurar do regresso galopante desconstruído. num flash-back em desfalecimento retorno ao melhor. incrédula, acima de tudo, julgo saber que disponho de 3 minutos. apenas mais.
congelo o microsegundo perpetuando-o em slow motion.
três compassos na partitura scarlatti. allegro.
esbanjo felicidade. ávida melancolia da alegria, riso aberto em eco. base a liberdade conquista solidez.
microsegundo desintegrado converte-se em pausa de scarlatti para requiem.
três compassos na partitura scarlatti. andante.
prolonga-se. dois minutos. destruição massiva em auto-reprodução. sobram pedaços na reconstituição invertida. bate ténue o coração. sobre adjectivação. propaga-se arsenal de sobrevivência. ausência de expectativa síndrome de insensibilidade à dor.
rumo ao finale. libertação frenética sobre explosão de estímulos.
três compassos na partitura scarlatti. finale. metamorfoseio a perspectiva.
pareço regressar. microsegundo planando cósmico. oscilações frequentes, antípodas no peso, originando novas ordens caóticas.
liberdade. andante breu te purgo lágrimas. conquista. andante ignóbil te retorno sentidos. solidez. andante trágico te metamorfoseio em amor. riso aberto em eco. allegro finale.
não será jamais
nem pela mão que nos trouxe que partiremos
somente o grilo à noite orvalhada
nos conhece a voz e o rosto
somente a terra nos conhece o corpo
o restolho o cheiro
o xisto-luzente os dedos
a cal seca as unhas
a azeda os lábios
e os dentes quando a trincamos
a seiva das ervas azeda
ao gustativo
entre as papilas o palatino e as gengivas
as minhas e as tuas
jamais em nós a velocidade das horas
mas o silente
o encantamento
e a preguiça
jamais em nós o ruído da turba
mas a quietação
a doçura
e o descanso
jamais em nós o quebranto da vida
mas a lufada
o fulgor
e a maravilha
atrás jamais voltar agora que partimos
mas pelos próprios pés
hipercivilização III
Toda a gente diz que agora é que é, todos os homens e mulheres ocos, todas as coisas acessórias de que não necessitamos.
E os novos slogans do direito à indiferença assentam impecavelmente nas relações hermafroditas. E os novos heróis, figurinhas de plástico reciclado articulável, produtos empacotados em pacotes de Corn Flakes são fiéis à máxima de todos iguais sem sabor. E os tempos livres que são enfadonhos. E as idas ao hipermercado desportos radicais. E esta hipercivilização que avança ao sabor das quotas de mercado como um transplante cerebral encarquilhado pela propaganda da produtividade.
10.11.08
dos olhos do Chiado
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Um croissant, os cafés ao fim da tarde, um aperitivo, as imperiais. Ponto de encontro consensual. Fio condutor entre gerações. Entre bairros e esquinas sobre o Tejo. Entre ruas. O alecrim e a rosa.
Quando ainda não se sabe para onde se segue. Só que se segue. Sente-se o efémero. E o reconforto sólido. Passado e futuro.
hipercivilização II
Mas eram apenas meros fogachos que perpassaram por entre um piscar de olhos e que fizemos por afogar brutalmente, como quem pressiona um corpo frémito dentro de água. Arrebatamentos fúteis na hora da decisão.
da humanidade ausente
um espaço sem trilhos
um espaço sem arquitectura
sem linguagem
sem mão que trabalha ou pé caminhando
pleno de ausência
há na terra um espaço ignoto ao homem
num tempo ubíquo
'esse espaço quase poderia ser o planalto de castro laboreiro numa manhã de primavera'
poesia urbana
9.11.08
da linha da sorte e da linha da anca
l'oiseau frivole de nos destins
' do filme "pierrot le fou" de Godard'
hipercivilização
Apocalípticos, estes corpos ressacados na latência em que se deparavam. Encadeados pela luz auroreal procuravam incessantemente. Vagabundeavam pelos seios floridos cobertos de uma coroa de raios de sol, colhida na manhã primaveril, empunhando a alma ao desbarato, nos noticiários da vida a dois onde o torpor narcótico se intrometia como um flagelo a abater.
Mas eram dias felizes, dias em que caminhavam por entre árvores no jardim das estrelas, de mãos dadas, semblantes risonhos e constantemente desnudos sob a passerelle de moda, como superstars anoréticos plenos de jovialidade vazia.
7.11.08
da realidade outra interpretação
O trabalho era para ontem, os jornais lêem-se nas gordas, as televisões são cada vez maiores, sexo e amor são iguais. Os acontecimentos passam por nós como borrões disformes, como se vivêssemos em fast forward. Fast é a palavra anglo saxónica que mais impacto tem nas nossas vidas e nós nem damos por isso.
Chegou o momento de fazer pause de nos reorganizarmos, de rever os nossos actos e de entender as entrelinhas dos actos de quem nos rodeia. Chegou o momento de partilhar a magia da nossa vivência rotineira repleta de pequenos detalhes. Chegou a altura de respirar fundo e absorver todos os átomos de ar, um a um, como se todos fossem diferentes.6.11.08
carrossel de sombras
Fotografia de Paulo Bernardino Ribeiro
As inspirações ardem, erodindo a silhueta na tempestade de areia cerebral, fustigando sinapses, triturando cervicais e rasgando músculos, fazendo soçobrar os meus lábios nos teus lábios.
Neste carrossel de sombras não sei já quem sou e menos me importa ainda quem somos.
outono encarnado
a compressão do tempo
Ouvi dizer que o tempo não é constante que a sua velocidade aumenta e que a noite e o dia coabitam em simultâneo nas nossas vidas e por isso não nos resta fôlego para reviver a estória dos nossos interlocutores.
5.11.08
da realidade hoje
Let freedom ring from the mighty mountains of New York.
Let freedom ring from the heightening Alleghenies of Pennsylvania!
Let freedom ring from the snowcapped Rockies of Colorado!
Let freedom ring from the curvaceous slopes of California!
But not only that;
Let freedom ring from Stone Mountain of Georgia!
Let freedom ring from Lookout Mountain of Tennessee!
Let freedom ring from every hill and molehill of Mississippi.
From every mountainside, let freedom ring."
'Martin Luther King, Jr., 28 de agosto de 1963'
a extensão do mundo
4.11.08
se ao menos sentisse que sinto o que sinto
Continuação do post "Analgesia" por Maria João Rodrigues
talvez penses não sentir o que sentes
talvez me peças lume como estranho que sou nesta rua
e talvez te olhe apenas e te estique a mão isqueiro e acenda o teu cigarro
ou talvez não
talvez lance uma única palavra afecto
e tu talvez te estiques para a apanhar
ou talvez não
talvez soubéssemos como comunicantes são um olhar ou uma palavra talhada para a ocasião
e talvez nos aninhássemos em torno desse momento e não mais o largássemos como alienados que ficaríamos
ou talvez a satisfação não se alcance
e por isso nos movemos de olhar em olhar e de palavra em palavra
então vem
Então vem, vamos voar como colibris sobre os campos de Kosovo num voo planante. Vamos desafiar as fronteiras e apertá-las junto ao peito e celebrar o nosso sonho nem que seja por um dia, nem que tenhamos de quebrar o pacto com os nossos filhos por nascer.
Lembra-te do momento em que nadámos através do estreito de Gibraltar e quando de mãos dadas demos braçadas fortes, por um punhado de areia. Ainda somos dois a pisar praias de esperança crestados pelo sal pelo sol pelo sul.
Vamos olhar as montras em Nova Iorque no Natal com a neve lá fora e os destroços enterrados na memória. Caminha comigo no deserto do Sahara, mostra-me o teu olhar desnudo dos véus com que tapaste a boca, o nariz, as bochechas, o teu olhar.
Deixa-me inspirar-te e expirar-te.
Sobre a nossa cabeça paira um céu azul, estamos aqui e o mundo começa a desbravar-se agora. Kosovo, China, África, Timor, Iraque, Irão, Europa, Índia, Estados Unidos, Venezuela e ainda tanto por desbravar, tantos sonhos por contemplar e tantas migrações por efectuar nas nossas fomes.
As sombras não nos atemorizam nem com a ajuda do vento, dos tornados e dos tsunamis. A nossa autodeterminação não acabará aqui, nem haverá muro que impeça o progresso da nossa caminhada. Seremos firmes, seremos alguém, nem que tenhamos de quebrar o pacto com os nossos filhos por nascer.