2.11.08

um poema como requiem

'talvez por ser outono, talvez por estar perto o fim de uma era no país das stars and stripes,
talvez por estar perto o início de uma nova era no meu mundo, lembrei-me deste poema que escrevi em setembro de 2001'


é no fim do verão que a cidade mostra a sua natureza

é no fim do verão que a cidade mostra a sua natureza
e são muitos os sonhos que nos vêm à cabeça
tanto que sonhamos nós na primavera com o calor do verão
homens, mulheres tanto que sonham as crianças
com sonhos que não passaram disso mesmo, sonhos

é agora o fim do verão
e lisboa ficou deserta de mulheres viajantes que em busca do sonho viajaram até lisboa

já não peço pardon
quando lhes tropeço para cima quase propositadamente

já não respondo prego
quando elas sorriem grazie no meu gesto cavalheiro de as deixar passar à frente
e assim olhá-las de trás

já não invento o alemão para deliberadamente oferecer os meus préstimos
àqueles cabelos cor de ouro da floresta negra
(afinal ela nada queria além de um bilhete de metro)

e é aí que me encontro agora
sentado sobre o azul e o vermelho
são estas as cores das cadeiras das carruagens do metro de lisboa
são também as cores das stars and stripes americanas

sim é agora o fim do verão
há nevoeiro e chuva miudinha
e todos os meus concidadãos choram os wild dreams of a new beginning
o encontro pouco fortuito de dois boeing com as duas torres do world trade center

tudo isto é fado…
basta vir o outono e somos todos poetas
uns sentimentais inveterados estes meus concidadãos
afinal portugal é terra de poetas
eu não sabia
mas é o que diz um tipo qualquer num documentário qualquer
dum canal qualquer sobre um portugal qualquer

foram muitos anos a chorar para dentro
resignados mas orgulhosamente sós
os quase cinquenta anos do tempo da outra senhora
e hoje no outono vem-nos à cabeça que sim portugal é um país em forma de caixão

e choramos mais um pouco que ninguém nota
e se notar não é assim tão grave

mas estou certo que é só por ser agora o fim do verão
e andamos todos um pouco deprimidos

o que vale é que por este outono estamos salvos
sim, porque a catástrofe alheia é o álibi perfeito para chorar as nossas próprias mágoas
e podemos chorar o monte de mortos na baixa de manhattan

que solidários que somos
eu e os meus concidadãos

então e tu
tens chorado muito?
não te tenho visto chorar…
não me digas que esses sonhos de verão foram mesmo uma realidade?
ou apoias o terrorismo…é isso?

sim…tu tens todo o ar de quem semeia o caos e a destruição
…como o vento semeia as papoilas…
e não foi assim há tanto tempo
ainda tenho as marcas da explosão do meu peito quando coitado morreu de amores por ti

e os danos colaterais desse massacre ainda hoje causam vitimas
muitos sonhos amputados
muitos campos minados os campos onde a erva crescia lentamente verde

os campos ou as estepes as planícies
os desertos do teu corpo
esse corpo
que é agora um espaço interdito ao meu
sinalizado pelas autoridades com fitas vermelhas

sim…

fitas vermelhas que é preciso ter cuidado contigo…
podes estar minada…
acho que vou ligar ao pentágono
não estejas tu a preparar outro atentado…

1 comentário:

Leonardo Rosado disse...

Já não me lembrava deste poema, BRUTAL.